segunda-feira, 8 de abril de 2013

Da prancheta para as ruas



Da prancheta para as ruas

Com produtos criados para o consumidor emergente, a novata Dafra foi a fabricante de motocicletas que mais cresceu no país em 2008. Mas sua estratégia resistirá à crise?

Revista EXAME - Por Carolina Meyer 02.04.2009 | 10h08
No disputado mercado de bens de consumo, poucas empresas conseguiram nos últimos tempos aproveitar de maneira tão contundente a possibilidade de ganhar terreno rapidamente quanto a fabricante brasileira de motocicletas Dafra. Em pouco menos de um ano, a empresa conquistou uma fatia respeitável do mercado: saiu do zero em fevereiro de 2008, quando iniciou suas atividades, para tornarse a quarta maior do setor, com uma participação de mercado próxima de 5,5%, em apenas seis meses de operação. Num mercado em que até pouco tempo atrás a japonesa Honda reinava absoluta, com um virtual monopólio na venda de motos, não é pouca coisa. Só no ano passado, as 280 concessionárias da Dafra espalhadas pelo país venderam 73 600 motocicletas - ou 220 por dia. A empresa já ocupa a vice-liderança de mercado em dez capitais brasileiras, entre elas Salvador, Recife e Fortaleza. Neste ano, mesmo com a crise, a Dafra projeta um crescimento de 22%, com faturamento de cerca de 500 milhões de reais. A meta é chegar à liderança de mercado até 2015. "Não fosse a crise, já seríamos a terceira maior fabricante", afirma Creso Franco, presidente da Dafra.
O sucesso da empresa em 2008 pode ser explicado em larga medida por um dos maiores
fenômenos de consumo dos últimos anos: a ascensão da classe C, um contingente de
aproximadamente 80 milhões de pessoas - a maioria sem condições financeiras de adquirir um
carro zero, mas com capacidade de fazer pequenos financiamentos. Não era um mercado
inexplorado - mas ainda havia espaço para inovações. Com uma linha instalada em Manaus, a
Dafra monta motos até 30% mais baratas que as concorrentes japonesas - fruto de uma
combinação de peças compradas na China e sacrifício de margens para ganhar mercado.
Também foi uma das primeiras a oferecer motos de baixa cilindrada financiadas em até 48
parcelas de aproximadamente 150 reais, sem entrada. Com isso, conseguiu crescer em torno de
15% ao mês.
Nada disso, claro, ocorreu por acaso. Apesar de recém-chegada ao mercado de motocicletas, a
Dafra conta com executivos experientes no segmento automotivo. A fabricante de motos faz
parte do grupo Itavema, do empresário Mário Sérgio Moreira Franco, dono da maior rede de
concessionárias de veículos do país, com faturamento anual de quase 6 bilhões de reais. "A
experiência acumulada pelo grupo Itavema foi fundamental para o crescimento da Dafra", diz
Corrado Capellano, especialista no setor automotivo da consultoria Creating Value. "Sobretudo
no que diz respeito à escolha dos pontos-de-venda e no treinamento dos vendedores."
Era uma vantagem óbvia, mas não suficiente para garantir um bom desempenho num mercado novo, com um perfil de clientes diferente. A Dafra nasceu depois de meses de planejamento e pesquisa.Um time de 15 executivos do grupo Itavema passou um ano e meio estudando os hábitos e o
comportamento dos consumidores de baixa renda, público-alvo da nova companhia. Ao todo,
mais de 100 pessoas foram entrevistadas.
Paralelamente, outros dez profissionais da agência de publicidade Loducca, encarregada de
desenvolver uma estratégia de comunicação para a empresa, conviveram durante dois meses
com mais de 30 potenciais compradores da Dafra em São Paulo e no Rio de Janeiro - pessoas
com idade entre 25 e 40 anos que utilizavam o transporte coletivo como principal meio de
locomoção. A estratégia serviu a um propósito claro: desenvolver um produto sob medida para
esse público e não simplesmente oferecer motocicletas de baixo custo com descontos
agressivos. "A população de baixa renda é extremamente bem informada", afirma Celso
Loducca, presidente da agência que leva seu nome. "Era preciso oferecer algo que fosse além
do preço."
COM ESSAS INFORMAÇÕES em mãos, os executivos da Dafra partiram para a segunda etapa
do processo: o desenvolvimento dos produtos. Para isso, a empresa optou por trabalhar com
três grandes fornecedores chineses: Loncin, Lifan e Zongshen. No entanto, em vez de importar
as motocicletas prontas, a Dafra encarregou-se de desenhar seus próprios projetos. Os quatro
modelos desenvolvidos pela empresa partiram de um modelo chinês já existente, mas tiveram
70% de sua estrutura modificada. A ideia era oferecer uma moto com o maior número possível
de opcionais e com um preço inferior ao da concorrência. Todas as motocicletas Dafra, da mais
básica à mais sofisticada, vêm equipadas com freio a disco, partida elétrica e rodas de liga leve.
"Trata-se de uma estratégia semelhante à adotada pela Fiat no final dos anos 90", afirma um
executivo do setor. "Foi graças a essa estratégia que a montadora conseguiu avançar no
mercado, até conquistar a liderança."
AS PESQUISAS NÃO EVITARAM que erros de projeto fossem cometidos. Logo que foram
lançados, os modelos Speed 150 e Laser 150 apresentaram problemas de qualidade,
relacionados principalmente ao sistema de freios e à parte elétrica - ambos importados da
China. Isso fez com que pipocassem reclamações contra a empresa, tanto no Procon quanto
nos jornais e na internet. Diante disso, a empresa teve de nacionalizar alguns fornecedores.
"Para companhias que importam boa parte de suas peças, trata-se de um processo natural de
adequação", afirma Capellano, da Creating Value. A Dafra também derrapou na formulação de
seu mix de produtos.
Tendo como referência o mercado de veículos, em que os modelos mais vendidos são
justamente os mais simples, a Dafra investiu fortemente na fabricação das chamadas motos "de
entrada", de até 4 000 reais. O problema é que, graças ao crédito farto, era possível adquirir o
modelo Kansas, o mais sofisticado da linha, por uma diferença de apenas 100 reais no valor das
prestações. Resultado: a procura pela moto mais completa explodiu - sem que a Dafra
conseguisse acompanhar a demanda. Com mais de 80% das peças importadas, a empresa
precisou de quatro meses para equilibrar o estoque. No início da produção, os executivos da
Dafra apostaram no preto e no prata, as cores mais desejadas pelos compradores de carros. Foi
mais um erro. Os motoqueiros queriam suas motos nas cores amarelo e vermelho. "Tivemos de
acertar nossa rota no meio do caminho", afirma Creso Franco, da Dafra.
Para seguir crescendo e conquistar a almejada - e ainda muito distante - liderança de mercado,
a Dafra terá de vencer um duro desafio, sobretudo no que diz respeito à oferta de crédito, seu
principal motor de crescimento. Com a eclosão da crise financeira, os bancos ficaram mais
reticentes na concessão de empréstimos para os clientes de baixa renda, público- alvo da
empresa. Segundo concessionários ouvidos por EXAME, de cada dez pedidos de financiamento
encaminhados ao banco Itaú, cinco são recusados - apesar de o mercado de motocicletas já
esboçar sinais de recuperação desde o início do ano. O aperto teve reflexo direto nas vendas da
Dafra. Nos últimos seis meses, sua participação de mercado caiu de 5,4% para 4,6%. "A Dafra é
mais suscetível a oscilações de crédito que as demais marcas", afirma Capellano. Para piorar,
as concorrentes Honda e Suzuki têm lançado mão do mesmo expediente usado pela Dafra para elevar suas vendas, como a oferta de motos equipadas com apetrechos considerados
"profissionais". Além disso, a Honda lançou em fevereiro a primeira motocicleta com motor flex
do mundo, capaz de reduzir até 20% os gastos com combustível. Para a novata Dafra, o difícil
ano de 2009 será um período de provação para um modelo de negócios que funcionou bem
enquanto a euforia durou.


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