terça-feira, 18 de junho de 2013

Classes Sociais, Peculiaridades na Base da Pirâmide e a Possibilidade de Esquemas Classificatórios

MATTOSO, C. L. Q. - Classes Sociais, Peculiaridades na Base da Pirâmide e a Possibilidade de Esquemas Classificatórios. Anais... XXXIV ENANPAD, ANPAD, 2010.

Classes sociais: Existe a necessidade de criação de um esquema classificatório? 

Para a antropologia a existência de uma métrica que identifique quem são as camadas
populares não é fundamental, uma vez que seus métodos de coleta de dados incluem um
trabalho de campo com observações diretas, entrevistas em profundidade e uma imersão
dentro de um contexto amplo e abrangente, proporcionando assim dados mais que suficientes
para uma identificação ou classificação de posição social. 6
 Já nos estudos de marketing, como medir o tamanho de um mercado sem uma
métrica? Como estabelecer fronteiras entre as classes D e C por exemplo? Ainda que as
fronteiras nunca exerçam um papel claro na delimitação, pode-se lidar de forma separada com
os casos fronteiriços, como acontece na psicologia, por exemplo.
 Para auxiliar na discussão sobre que modelo utilizar para classificar nossos
consumidores segundo suas posições sociais, serão expostos primeiramente alguns critérios
utilizados em outros países e em seguida serão discutidos alguns dos critérios mais utilizados
no Brasil.
 Nos estudos de classes sociais de Warner, a identificação de status era obtida através
de extensas entrevistas, numa comunidade, sobre a reputação individual e de grupos. A isto
era somada a elaboração de quadros formais e informais de padrões de interação, através da
Participação Avaliatória e de medidas de associação ou sociométricas, que contavam o
número e a natureza dos contatos pessoais das pessoas em seus relacionamentos informais
(ENGEL et al., 2000). O índice de Warner considerava quatro fatores sócio-econômicos:
ocupação, fonte de renda, tipo de moradia e local da moradia. Uma crítica a este esquema
classificatório foi posteriormente levantada por Coleman (1983), que argumentou que a
metodologia de Warner só podia ser utilizada em pequenas comunidades e com fundos
ilimitados. No mundo real, de orçamento limitado, os pesquisadores teriam que se contentar
com menos, dependendo do objetivo da pesquisa.
 Coleman e Rainwater (1978) introduziram um esquema de posições para as classes
onde o status econômico teria o papel mais importante, a influência da educação, da ocupação
e dos padrões de comportamento teriam papel secundário, embora também importante.
O sistema de classes de Coleman e Rainwater (1978), basicamente quanto à ocupação e
afiliações sociais, se dividia em três grupos distintos: 1 – a classe alta ; 2 – a classe média
(70%), que se dividia em classe média propriamente dita, constituída por trabalhadores
manuais e não manuais de renda média com moradia em bairros melhores, e classe operária,
composta também por trabalhadores manuais com renda média, mas que tinham um "estilo de
vida proletário"; e 3 – a classe baixa, que estava dividida em dois grupos, um dos quais vivia
apenas um pouco acima do nível de pobreza, sendo o outro visivelmente miserável.
 Gilbert e Kahl (1982) usaram uma abordagem “funcional”, dando maior atenção à
propriedade capitalista e à divisão ocupacional do trabalho, para variável de definição, e
consideraram prestígio, valores e associações como fatores derivados.
 As divisões de classes de Warner (1994), Gilbert e Kahl (1982) e Coleman e
Rainwater (1978) apesar de partirem de pontos diferentes, chegaram à divisão em três classes
sociais bem próximas. A distribuição da população americana que mais se diferenciou foi a de
Warner, o que é atribuível a diferenças metodológicas e distância no tempo. Portanto, pode-se
dizer que apesar de não se conseguir uma padronização das métricas alguns parâmetros sendo
comuns, chega-se a resultados semelhantes.
 Coleman (1983) reconheceu que o tipo de instrumento e pontuação utilizados pelas
pesquisas de massa não conseguiam captar as nuanças necessárias para uma classificação
mais fidedigna. Sugeriu que se utilizasse medida aproximada, como por exemplo o CSI
(Computerized Status Index – Índice de Status Computadorizado ), mas sugeria também que
se o objetivo da pesquisa fosse um estudo profundo da relação entre classes sociais e escolhas
de consumo, a distribuição dos grupos em classes deveria ser feita de forma qualitativa com o
julgamento de um especialista.
 Para Hawkins et al. (2007) nem todas as características que diferenciavam as classes
seriam relevantes para o marketing. As dimensões importantes para cada produto ou serviço
teriam que ser avaliadas. O esquema de categorização proposto por estes autores foi:
Fatores Socioeconômicos ¼Posição Social ¼ Comportamentos Peculiares
 Uma outra forma de classificação mais moderna foi proposta por Sivadas et al (1997)
com o uso de banco de dados secundários com informações sobre os bairros ao invés de
informações sobre os indivíduos. Estes bancos de dados faziam parte de sistemas
geodemográficos que podiam ser utilizados em diversos níveis até chegar ao nível de um
domicílio. Os autores buscaram, em sua pesquisa, proporcionar uma justificativa teórica para
o uso dos dados daqueles bancos geodemográficos, já amplamente utilizados na prática
empresarial.

Esquemas Classificatórios para Estudo de Classes Sociais no Brasil 

Segundo Silva (1986), os cientistas sociais brasileiros utilizaram basicamente dois
métodos para definir a estrutura de classes, um baseado no nível de renda e outro na
ocupação. Todavia, nem um nem outro, isolados, parecem oferecer alicerces sólidos à
compreensão da pirâmide social.
Para Zaluar (1985) e Sarti (1996), a utilização da renda como critério de demarcação
de classes sociais foi considerada insatisfatória, por confinar a classificação a um único eixo,
reduzindo seu significado social. Sociólogos como Pastore (1979) buscaram um ponto de
apoio para o estudo da estratificação através das ocupações e da posição na ocupação,
distribuída pelos diferentes setores de atividade – agricultura, indústria e comércio e serviços.
Figueiredo Santos (2002), em seu estudo sobre a estrutura de posições de classe no
Brasil, constatou não haver, na sociologia brasileira, tradição de investigação empírica voltada
para a construção de “mapas de classe” . O autor mostrou também que a estrutura de classe no
Brasil era diferente daquela existente em países desenvolvidos, mas não tanto a ponto de
abandonar o esquema de análise de classes da literatura internacional. Ele utilizou o esquema
de classes de Wright (1978), onde uma das determinações da posição de classe na vida dos
indivíduos viria do modo como esse fator determinasse o acesso aos meios de produção ou
aos recursos materiais e afetasse o caráter das experiências de vida nas esferas do trabalho e
do consumo.
Sua proposta de mapeamento da disposição estrutural e dos perfis específicos das
posições e segmentos de classe no Brasil recorreu à base de microdados da PNAD (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, e a uma tipologia derivada do esquema de
classes de Wright, porém adaptada.
O mapeamento de Figueiredo Santos, por seu cuidado na classificação das camadas
populares, chamadas por ele de trabalhadores, poderia ser uma boa base para a escolha de
critérios a serem adotados no marketing, a exemplo do que se deu nos EUA.
 Além do mapeamento das posições de classes feito por sociólogos brasileiros,
profissionais de marketing também buscaram classificações para mapear nossa população
visando muito mais o poder aquisitivo do que critérios estruturantes. Este seria o caso do
Critério Brasil. Até 1970 não havia no Brasil um critério de estratificação único que
permitisse às empresas adotar determinadas práticas de marketing como a segmentação.
Preocupada com este problema a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) estabeleceu o
primeiro critério padronizado de classificação sócio-econômica no Brasil, chamado de critério
ABA. Este sistema-padrão de classificação sócio-econômica baseava-se no cômputo de
pontos calculados a partir da posse de itens e na premissa da existência de quatro classes. O
sistema foi adotado até que, quatro anos após sua adoção, começaram a surgir críticas de que
as classes mais altas apresentavam, pelo critério, uma dimensão maior do que seu real
tamanho. As pressões por aprimoramento cresciam, mas também aumentavam a
argumentação de que, com uma mudança, poderia se perder a continuidade e possibilidade de
comparação no tempo.
Esta discussão permanece até hoje, embora o critério tendo sido revisto em 2008. O
problema deste critério, como bem colocou Mattar (1995) ao fazer uma análise crítica sobre o
critério mais utilizado pelos profissionais de marketing, o Critério Brasil, é que a definição de
classe utilizada foi o poder aquisitivo das famílias, operacionalizado como renda familiar. A
justificativapara esta escolha foi a de que a variável aptidão para consumo implicava ter poder
aquisitivo, mas implicava também condições culturais e de estilo de vida que predispusessem
ao consumo. Entretanto, como estas variáveis eram de difícil operacionalização, o critério
limitou-se à renda estimada através dos itens de posse. Esta escolha, segundo Mattar, peca na
essência, referindo-se a determinados problemas metodológicos, como por exemplo os
indicadores de posse de bens utilizados, que teriam perdido seu valor com o passar do tempo
e também porque alguns estudos mostraram não haver correlação entre as classes, conforme
estabelecido através do critério ABA-Abipeme, e a renda.
 Em função destas críticas e outras mais, o autor considerou que seria “necessário e
urgente o desenvolvimento de um novo método compreendendo variáveis mais estáveis e
precisas – não somente reformulações em um método que já se mostrou inadequado” (Mattar,
1995, p. 67). O autor propôs um novo modelo de estratificação social que deveria possuir
estabilidade, precisão, comparabilidade, validade e facilidade de aplicação. As variáveis que
estavam sendo estudadas compreendiam: educação, renda familiar, ocupação e moradia.
 Os estudos que utilizam somente a renda buscam o levantamento feito pelo IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) através do censo, cuja periodicidade é decenal,
e através da PNAD, cuja periodicidade é anual.
 Se a questão da classificação social em geral permanece aberta, a discussão sobre
quem é pobre parece ter um pouco mais de estrutura como mostram os estudos de Rocha
(2003), que estudou a questão da pobreza no Brasil, principalmente com relação à sua
definição e mensuração. Seu objetivo foi estabelecer um quadro de referência para análise e
aplicação de políticas sociais contra a pobreza. A autora mostrou a necessidade de se
contextualizar a definição e mensuração da pobreza dentro de uma realidade social específica.
As principais abordagens seriam a pobreza absoluta e a pobreza relativa. A pobreza absoluta
refere-se a questões de sobrevivência física ou ao mínimo vital. O conceito de pobreza
relativa refere-se às necessidades a serem satisfeitas em função do modo de vida
predominante na sociedade em questão visando à redução das desigualdades.
 Ainda segundo Rocha (2003), no Brasil a maioria dos estudos sobre pobreza adota o
salário mínimo ou um de seus múltiplos como linha de pobreza. A autora chama atenção para
o fato de que nem em 1940, quando o salário mínimo foi criado, os valores estabelecidos
refletiam o custo do atendimento das necessidades básicas. Seriam considerados pobres os
indivíduos cuja renda fosse inferior a ¼ ou ½ salário mínimo per capita ou dois salários mínimos para uma família de quatro pessoas e não-pobres os demais. A abordagem da
pobreza, como insuficiência de renda, não reflete uma estrutura de consumo otimizado ou
padrão, mas essencialmente, a estrutura de consumo observada em populações de baixa renda
a partir de pesquisas de orçamentos familiares.
 A falta de uma discussão sobre critérios de definição e mensuração de classes sociais
dentro do marketing fica bastante evidente também no número de terminologias que os
autores utilizam ao se referirem aos que estão nas posições mais baixas hierarquicamente
falando.
O termo “pobre” segundo o dicionário Aurélio, é aquele que não tem o necessário à
vida ou cujas posses são inferiores à sua posição ou condição social, ou seja, é uma definição
que remete à condição material e a uma categoria social. Outros termos, tais como “camada
popular”, “classe trabalhadora” e “população de baixa renda” são também usados para
designar os pobres. O termo “camada popular” traz conotações políticas, designando uma
classe de pessoas, que, por apresentarem condições de vida homogêneas, deveriam
desenvolver uma consciência de classe (SARTI, 1996). O uso do termo “classe trabalhadora”,
por sua vez, levaria a pensar o pobre em relação ao trabalho, privilegiando o aspecto
econômico. Por sua vez, a expressão “população de baixa renda” também se encontra
associada a condições econômicas.
O campo do marketing e do comportamento do consumidor deveria fugir de
considerações de caráter puramente material ou econômico. Para Sarti, “pobres” são os
destituídos dos instrumentos que, na sociedade capitalista, conferem poder, riqueza e
prestígio, o que descreve bem esta parcela “invisível” de nossa sociedade, entretanto,
pensando-se internacionalmente, o termo base da pirâmide parece ser bem apropriado, por
remeter aos pobres do mundo, sem o sentido pejorativo que se dá ao termo pobre.
Propõe-se aqui que seja criado um critério de fácil aplicação, uma vez que seu uso será
em abordagens quantitativas para substituir o Critério Brasil. A idéia é fazer algo semelhante
a proposta de Coleman (1983), um Índice de Status Computadorizado, que significa a
indexação de diversas ocupações com pontuações que seriam ligadas a educação formal
(escolaridade) para gerarem pontuações. O levantamento e a pontuação das ocupações já
foram mapeados por Figueiredo Santos (2002). Esta proposta estaria alinhada com a proposta
de Mattar no sentido de que tem estabilidade, precisão, comparabilidade, validade e facilidade
de aplicação, as demais variáveis por ele propostas e não incluídas seriam renda familiar e
moradia. A renda é uma variável difícil de levantar em levantamentos de intercepção em
shopping por exemplo e também muito sujeita respostas falsas e moradia teria que se pensar
em uma forma de operacionalizar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário