terça-feira, 18 de junho de 2013

Geração Canguru: Algumas Tendências que Orientam o Consumo Jovem e Modificam o Ciclo de Vida Familiar

FERREIRA,P.A,REZENDE,D.C.,LOURENÇO,C.D.S.- Geração Canguru: Algumas Tendências que Orientam o Consumo Jovem e Modificam o Ciclo de Vida Familiar. Anais... III Encontro de Marketing da ANPAD, Curitiba, 14 a 16 de maio de 2008.

2 A FAMÍLIA COMO UMA UNIDADE CONSUMIDORA 

A família tem sido tema de estudo para diversos campos do conhecimento,
abrangendo diferentes pontos de vista e com um debate interdisciplinar que mostra o quão
grande é a gama de abordagens possíveis para a compreensão deste fenômeno cultural, social,
econômico e político (SILVA et al., 2004).
 De um modo geral, a família é compreendida como uma construção social, formada a
partir da relação entre indivíduos e sociedade, caracterizada por uma variedade de formas, que
segundo Saraiva Jr e Taschner (2006), podem ser classificadas em ciclos de vida tradicionais
ou modernizados. Para Petrini e Alcântara (2002), a família constitui o fundamento da
sociedade, ou seja, um recurso sem o qual a sociedade, da forma como está organizada
atualmente, entraria em colapso, caso fosse obrigada a assumir tarefas que, via de regra, são
desempenhadas de forma melhor e a menor custo pela instituição família. Através da
proteção, da promoção, do acolhimento, da integração e das respostas que oferece às
necessidades de seus membros, a família favorece o desenvolvimento da sociedade.
 Contudo, a sociedade não é estática e permanece sempre em um processo contínuo de
mudança. Para Touraine (1994), na modernidade, quase todas as sociedades são penetradas
por novas formas de produção, de consumo e de comunicação. Nesse sentido, Cioffi (1998)
destaca algumas alterações sofridas pelas famílias na sociedade moderna. Segundo a autora,
na modernidade, a família hierarquizada cede terreno para uma família onde as relações são
mais igualitárias (ou menos hierárquicas), valorizando as opções e a vida pessoal de seus
membros, o privado e o subjetivo em detrimento aos valores tradicionais e patriarcais. Além
disso, observam-se novas configurações familiares que se associam a dimensões como o
individualismo, que é um valor característico das sociedades capitalistas. Na verdade, a
modernidade tem como seus ícones principais uma cultura de consumo e uma tendência a
comportamentos cada vez mais individualistas (SLATER, 2002; CAMPBELL, 1989).
 Silva et al. (2004) também salientam que a família como parte integrante da sociedade
em transformação (nível macro) passa por um processo de transformação (nível micro), cujas
mudanças, nos dois níveis, viabilizam o surgimento de novos modelos de família, distintos
dos propalados modelos tradicionais. Para Sales e Vasconcelos (2007), fatores econômicos,
sociais e culturais contribuíram de forma decisiva para as alterações na estrutura familiar, e os
diversos modelos existentes estão fundamentados na igualdade, individualidade e liberdade.
 Reagindo aos condicionamentos externos e ao mesmo tempo adaptando-se a eles, a
família encontra sempre novas formas de estruturação que, de alguma maneira, a
reconstituem. Dessa forma, a realidade da família moderna enquanto construção social
apresenta novos arranjos familiares que são resultados contextuais da inovação que busca
legitimar a pluralidade e a flexibilidade adstrita à sociedade contemporânea.
 Além disso, vale ressaltar a influência da variável “tempo”, que faz com que as
famílias se diferenciem estruturalmente. Para Fonseca (2005), a idéia de “ciclo de vida” é
subsidiária da dimensão temporal das relações familiares, que de um modo geral
contextualiza três grandes fases: formação inicial (em geral, por casamento), expansão (com
nascimento dos filhos) e declínio (quando os filhos adultos saem para estabelecer seus
próprios núcleos e a velha geração é deixada com “o ninho vazio”). Já Blackwell et al. (2005) englobam no ciclo de vida padrões familiares que vão além do casamento, ter filhos e sair de
casa, acrescentando, assim, estágios, como a perda do(a) esposo(a) e a aposentaria.
 De acordo com Hill (1970) e Stampfl (1978), o ciclo de vida familiar é uma
abordagem interdisciplinar para o estudo da família e tem sido empregada em diversas áreas,
tais como Psicologia, Sociologia, Economia e Marketing. Considerando o consumo como
uma referência para se pensar a sociedade contemporânea (ROCHA et al., 1999) e as famílias
como as principais unidades consumidoras (BLACKWELL et al., 2005), observa-se a
relevância que os vários estágios do ciclo de vida familiar assumem quanto à definição e
compreensão dos padrões de consumo dos indivíduos e das famílias e de como eles se alteram
ao longo do tempo (BLACKWELL et al., 2005).
 As famílias como unidades consumidoras são as principais usuárias e compradoras de
muitos produtos, além de influenciar nas atitudes e comportamento dos indivíduos. Diante
desse contexto, o ciclo de vida familiar apresenta-se como um importante indicador do
comportamento de consumo, uma vez que muitas mudanças estão mais associadas com as
alterações na estrutura familiar (como casamento, nascimento dos filhos, separação e saída
dos filhos de casa) do que com o processo de envelhecimento (SARAIVA JR; TASCHNER,
2006).
 Nesse mesmo sentido, Béllon et al. (2001) consideram o ciclo de vida familiar como
uma variável sociodemográfica que pode ser utilizada como uma medida de segmentação de
mercado. Para esses autores, a influência exercida pelo ciclo de vida das famílias pode ser
identificada em muitos produtos e serviços e varia conforme o contexto cultural de cada país.
Saraiva Jr e Taschner (2006) também ilustram a influência das dimensões culturais de cada
país sobre a instituição ‘família’. Para estes autores, em culturas individualizadas, como a
norte-americana, os filhos são educados a tornarem-se independentes o mais cedo possível,
espera-se que cada um cuide de si mesmo e de sua família imediata; já em culturas
coletivistas as crianças crescem mais próximas de outros familiares e se tornam mais
dependentes de um grupo.
 Para Cioffi (1998) existe uma relação estreita entre arranjos familiares, ciclo de vida
familiar e condições de vida das famílias. De um modo bem geral, a autora apresenta os
principais arranjos familiares existentes no contexto brasileiro e sua combinação com ciclos
de vida, contemplando, assim, os alguns estágios como: casal com filhos; casal sem filhos;
chefe sem cônjuge com filhos e pessoas morando sozinhas.
 De acordo com Cioffi (1998), as famílias formadas por casal com filhos correspondem
à situação típica de organização da família brasileira. Neste caso, identificam-se três fases:
jovem, adulta e velha. A presença de filhos com pouca idade residentes no domicílio,
característica do primeiro estágio do ciclo vital sugere formas de organização específicas da
família, tanto em termos de sua capacidade econômica e inserção no mercado de trabalho,
como quanto à organização das tarefas domésticas. Nesta fase jovem do ciclo, a família tende
a organizar-se predominantemente em torno do chefe a quem cabe a responsabilidade pelo
sustento familiar. Já na fase adulta, altera-se, obviamente, a distribuição dos filhos segundo
faixa etária, com maior concentração entre 7 e 17 anos, o que, por sua vez, contribui para
alterar a organização familiar com vistas aos mecanismos utilizados para a satisfação das
necessidades materiais da família adulta. Em comparação com as famílias situadas no ciclo
vital jovem, a idade mais elevada dos filhos pode contribuir para liberar a cônjuge para o
mercado de trabalho. Na fase velha, os filhos apresentam faixa de idade superior aos 18 anos,
podendo participar do mercado de trabalho. Caso haja essa participação no mercado de
trabalho, alterações na composição da renda familiar poderão ocorrer e até mesmo reduzir a
participação do chefe e do cônjuge.
Por outro lado, Blackwell et al. (1995) destacam que os indivíduos não precisam
necessariamente passar por cada um dos estágios do ciclo, podendo pular múltiplos estágios
baseados nas suas escolhas de vida. Segundo Fonseca (1995), hoje em dia, o ciclo familiar
baseado na nuclearização das famílias (pai, mãe e filhos vivendo juntos) não é nada evidente,
visto que, muitas vezes, o nascimento de netos precede o casamento de seus pais ou a
formação de um novo núcleo. Além disso, em época de desemprego, há uma tendência
crescente, em todas as classes, de filhos adultos voltarem para a casa dos pais em momentos
difíceis, seguidos de um divórcio ou a perda de emprego.
 Com relação às influências familiares, Petrini e Alcântara (2002) salientam que na
família não se transmite apenas a vida, mas o seu significado, o conjunto de valores e critérios
de orientação da conduta, que levam o indivíduo a perceber a existência como digna de ser
vivida, em vista de uma participação positiva na realidade social. Transpondo essa relação
para o consumo, justifica-se a consideração feita por Cunha (2004) de que a família apresentase como uma importante organização de compra de produtos de consumo na sociedade,
sendo, constantemente, alvo de apelos promocionais. Cunha (2004) também ressalta que o
comportamento de compra da família é um processo coletivo e os participantes não se limitam
à simples busca de informações, valendo-se também da troca de opiniões e participação ativa.
 Apresentadas as questões que envolvem a família como unidade consumidora e um
espaço em constante transformação, incorporam-se as orientações de Strauber (2005) para
discutir a juventude como uma de suas categorias, gerada no centro de tais transformações e
protagonista de muitos alvos de consumo. Nesse sentido, discutir-se-á na próxima seção um
fenômeno que assola as classes médias urbanas - a geração canguru -, que representa jovens
que adiam a saída da casa de seus pais e que compõem um nicho de consumidores com alto
poder aquisitivo.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

As duas categorias identificadas fundamentam-se basicamente na questão do
prolongamento da convivência familiar e do consumo dos jovens cangurus. Na categoria
convivência familiar foram identificadas subcategorias, como os fatores responsáveis pelo
prolongamento da permanência dos jovens adultos na casa dos pais; a postura dos pais; a
decisão de sair da casa dos pais. Já na categoria consumo dos jovens cangurus foram
identificadas as seguintes subcategorias: o significado do consumo; o consumismo; produtos
e serviços que são prioridades de consumo.

5.1 Prolongamento da convivência familiar 
Conforme já relatado, são diversos os fatores responsáveis pelo prolongamento da
permanência dos jovens adultos na casa dos pais. Esses fatores englobam tanto elementos
intra-familiares como os extra-familiares (HENRIQUES et al., 2006). Os entrevistados
reconheceram como esses elementos: o afeto e a convivência familiar (intra-familiares); a
comodidade, a mordomia, a economia, o padrão de vida, a segurança financeira e a carreira
profissional (extra-familiares). Dentre todos esses elementos, observou-se que os extrafamiliares familiares foram os mais constantes nos depoimentos.
 No sentido de comodidade e mordomia, verificou-se que os entrevistados
relacionaram esses atributos com a isenção de prática das tarefas domésticas (lavar, passar,
arrumar, cozinhar, etc.); boa alimentação; pagamento de despesas domésticas; entre outros.
(...) eu tenho tudo aqui... por exemplo, eu tenho... comida, tenho roupa lavada... tenho luz,
telefone, tenho tudo. (Entrevistado 3)
(...) o almoço é diferente, a comida... o que tem na geladeira... a empregada... tudo é diferente... o
carro, quando eu morava sozinha eu não tinha (Entrevistado 6)
 A economia de despesas domésticas e a segurança financeira também despontaram
como fatores que justificam a opção dos entrevistados de morar com pais.
Vou continuar quieto aqui, pelo menos assim, não pago água, luz, não pago telefone... só
mantenho as minhas contas mesmo.(Entrevistado 9)
Se eu fizer uma conta e não tiver dinheiro pra pagar, se me apertar, eu tenho onde socorrer. Não
penso duas vezes, vou pedir ajuda por meu pai. (Entrevistado 5)
 Para os entrevistados, a comodidade, a mordomia, a economia de despesas domésticas
e a segurança financeira proporcionadas pelos pais também ajudam de maneira decisiva na
manutenção do padrão de vida e na progressão na carreira profissional.
Ter que pagar empregada, pagar luz e dividir supermercado... ah não! O meu padrão de vida é
mantido por eu não ter que assumir essas responsabilidades... O dinheiro seria mais contado né...
não poderia assim ir em tudo enquanto é festa, eu não poderia ir, tinha que selecionar!
(Entrevistado 5)
Uma coisa que eu deveria lagar é o carro... eu não vou podê ir nele trabalhar todo dia... – Ahm –
então isso gera um déficit pra mim (Entrevistado 9)
 Diante dessas colocações, fica evidente que caso eles deixassem a casa dos pais, com a
atual renda obtida, poderiam até mesmo comprometer o padrão de consumo de itens básicos, tais como moradia e transporte. Itens supérfluos, como o entretenimento, também estariam
sujeitos a alterações.
 Quanto à carreira profissional, os entrevistados destacam que o fato de morarem com
os pais possibilita maior disponibilidade para cuidar de suas atividades: trabalho e/ou estudo.
Além disso, por serem “isentos” das despesas domésticas, sobram mais recursos financeiros
para investirem no lado profissional.
(...) o tempo que eu gastaria preocupando com as minhas roupas, com alimentação e com uma
série de coisas que eu deixo por conta da minha mãe... Eu consigo investir em mim. Eu consigo
ficar o tempo todo, praticamente das oito da manhã até as dez da noite me dedicando na minha
vida profissional. Sem preocupar com outras coisas. (Entrevistado 7)
Dá uma retaguarda. Interessante pra gente poder crescer profissionalmente né. (Entrevistado 13)
 Com relação aos fatores intra-familiares, os entrevistados destacaram apenas dois
elementos: o afeto e a convivência familiar. Para alguns entrevistados, o afeto e a convivência
foram identificados como os aspectos essenciais para a protelação da saída da casa dos pais.
Já outros perceberam os elementos extra-familiares como os mais decisivos.
Eu acho que em primeiro lugar, o carinho, o afeto da família, o apoio é muito importante. Em
segundo lugar vem as outras facilidades aí: o meu conforto, a economia... (Entrevistado 1)
(...) é muito boa... Lá em casa , eu sou filha única, então assim, é um pelos dois, e ao contrário...
sempre a nossa família... Então a gente sempre foi muito unido, tá junto pra qualquer situação, a
convivência lá em casa graças a Deus é excelente (Entrevistada 10)
 (...) lado emocional não me prende não. Eu até tenho a pretensão de ir embora. Entendeu... não
me prende não. Por enquanto mesmo é só pela comodidade e pelo lado financeiro mesmo
(Entrevistado 4)
 Por outro lado, a convivência familiar também foi interpretada por alguns
entrevistados com uma conotação negativa, significando conflito e restrição à liberdade.
(...) no meu caso, os meus pais estão ficando mais velhos, eu acho que vai piorando, sabe... Eu
acho que vai ficando cada vez mais distante, a cabeça da gente vai batendo mais diferente ainda...
Eu to sentido isso demais, completamente diferente o modo que eles pensam, que agem, querem as
coisas, eu quero de outro jeito. (Entrevistado 12)
(...) dormi fora de casa? Eu não tenho isso, porque meus pais são bem assim... não é antiquado...
mas eles acham assim, que deve dar satisfação enquanto morar em casa... Meu pai tem uma coisa
assim: “que enquanto cê morar aqui embaixo do meu teto, você ainda me deve satisfação... Tem
que obedecer, eu acho que eu posso ter trinta, quarenta anos...(Entrevistado 4)
Eu acho que é muito limitado. Eu não tenho muita privacidade, acaba que meu quarto hoje é
minha casa, mesmo assim não tenho total privacidade dentro daquele espaço. Eu acho que você
exigir muito, isso é uma falta de respeito com a situação. (Entrevistado 7)
 Diante dessas colocações, observa-se que o sentido dado pelos entrevistados à
liberdade difere-se do descrito na pesquisa conduzida por Henriques et al. (2006), que
incorpora ideais libertários, tais como a igualdade e a privacidade. Esse quadro se justifica,
pois o locus desta pesquisa representa uma cidade do interior, cujos valores tendem a ser
conservadores (“respeitando os padrões normais da família”, “conservadores”; “exigir
muito, isso é uma falta de respeito com a situação”; “você ter um limite na sua vida”). Já a
pesquisa de Henriques et al. (2006) foi conduzida em uma capital, onde as famílias são mais
propensas a aderir aos valores propagados pela modernidade.
 Além disso, alguns entrevistados ressaltaram que por morarem com os pais, eles
tiveram que assumir alguns compromissos e responsabilidades familiares, que acabam
comprometendo as suas atividades e sobrecarregando o seu dia-a-dia.
(...) meu avô mora com a gente, então é assim... chegou o dia de receber... os dois benefícios,
tanto do meu avô por parte de pai, como por parte de mãe é eu que recebo, aí eu tenho que ir no banco receber. Levar eles nos médicos. Então são certas tarefas que viraram obrigação(...)
(Entrevistado 5)
Eu faço tudo lá em casa, né... Sou eu que vou ao banco pra pode pagar água, luz, telefone. O
dinheiro é do meu pai, mais eu é que vou pagar... Eu que levo as minhas avós ao médico. Precisa
fazer alguma coisa...precisa comprar um remédio, sou eu que vou. (Entrevistado 4)
 Apresentados os fatores que os entrevistados identificaram como influenciadores na
postergação da saída da casa de seus pais, verificou-se que, apesar de alguns resultarem em
limitações como a privacidade, a liberdade e os compromissos, a maioria concebeu esse fato
de forma positiva.
 (...) me beneficia, pensando no lado financeiro... o lado pessoal me prejudica, porque eu não
tenho tanta liberdade, quanto eu gostaria... mais o lado financeiro é bem melhor, porque dá pra
fazer um pé de meia bem legal, enquanto eu ainda estiver com eles ainda (Entrevistado 4)
(...) você consegue manter seu dinheiro, gastar seu dinheiro só com você, você fica mais
realizado... vamos dizer assim. Você compra mais as coisas pra você, mais fácil. (Entrevistado 9)
Eu acho que as duas coisas. Eu acho que me prejudica por um lado, pois tenho menos liberdade,
menos independência... Mas por outro me ajuda muito, porque eu mantenho um nível de vida que
eu não ia conseguir sozinha (Entrevistado 6)
 Perante esses depoimentos, observa-se que a avaliação feita pelos entrevistados quanto
à situação de morarem com os pais resultou em um equilíbrio, apresentando tanto benefícios
quanto prejuízos. De modo geral, os fatores extra-familiares tiveram um peso maior na
avaliação, correspondendo, assim, aos benefícios. Partindo dessa avaliação, observa-se que o
significado dado à família tende a ser muito mais um espaço privado a serviço desses
indivíduos, do que um local de reciprocidade e afeto. Assim, a família, para esses
entrevistados, distancia-se do sentido encontrado na pesquisa de Henriques et al. (2004), que
a coloca como uma mediadora entre o material e o emocional. Uma possível justificativa para
essa divergência de significado, reside no fato de que as relações na família dos entrevistados
desta pesquisa não parecem ser tão horizontalizadas quanto aquelas pesquisadas por
Henriques et al. (2004) e que, portanto, elas ainda conservam os padrões de hierarquia e
autoridade.
 Por outro lado, os entrevistados perceberam como pontos negativos nessa avaliação
questões que estão relacionadas à liberdade e a independência. Apesar de um dos princípios
da geração canguru corresponder à entrada na vida adulta cada vez mais tardiamente,
observou-se que os entrevistados desta pesquisa vêem isso com preocupação e, em alguns
casos, já se pensam até em romper os cordões umbilicais, no intuito de alcançarem total
autonomia para suas vidas.
(... ) eu sinto como se eu tivesse morando de favor, porque de 18 anos até hoje, já fazem 11 anos.
Então, eu acho que você exigir mais privacidade, exigir mais espaço é difícil, apesar de que você
acaba fazendo isso por intuição. Por isso eu acho que aos trinta anos, eu não posso demorar, por
exemplo, ter o luxo de demorar mais três ou quatro anos que eu vou tá com quase quarenta...
(Entrevistado 7)
(...) eu acho que se eu tivesse que pagar, a minha responsabilidade seria bem maior. Eu acho que
eu saberia melhor dividir o meu dinheiro, empregar melhor o dinheiro. Ia aumentar a minha
responsabilidade com o dinheiro que eu ganho, não ia ser só coisas pra mim (Entrevistado 9)
 No entanto, os entrevistados consideram que essa saída da casa dos pais deve ser algo
planejado para que não comprometa o padrão de vida e o vínculo familiar. Além disso, eles
também salientam a estabilidade profissional como um dos critérios.
(...) eu estou planejando a saída pra o choque não ser tão forte. Então, planejar direitinho...
depois olhar um lugar, uma casa, um apartamento. Preparar esse apartamento pra que eu possa
sair... Pra não pegá e ser duma vez, ser aqueles filhos rebeldes... (Entrevistado 7)
Quando eu tiver condições de me sustentar de maneira que eu viva bem. Igual eu falei antes, sair
pra passar dificuldade eu não vou. (...) (Entrevistado 9) Os entrevistados também ressaltaram a postura de seus pais com relação à postergação
da saída de casa. Fundamentado nos depoimentos dos filhos, observa-se dois grupos
diferentes de pais. No primeiro grupo, o prolongamento da convivência com os filhos é
tratado de forma positiva, principalmente, porque eles temem a experiência do ninho vazio.
Isso se justifica, visto que a maioria dos jovens entrevistados são filhos únicos ou são os
últimos a permaneceram em casa (os irmãos são casados ou residentes em outras cidades),
estreitando, assim, os laços afetivos.
Eu acredito que eles ficam satisfeitos, porque em casa somos três filhos e eu sou último né... É a
rapa do taxo. Então sendo o último filho, a vontade deles é que o filho fique por perto, né ? Para
que tenha mais gente na casa, mais gente na família (Entrevistado 1)
Adoram. Só de cogitar de sair de casa, minha mãe, por exemplo, já fica toda chorosa né... E é isso
que é o meu medo. O problema é que eles gostam demais. Como eu disse também, a hora que fala
de sair, já fica aquela coisa, aquela agonia dentro de casa. (Entrevistado 7)
Sinceramente eles nunca chegaram pra mim e falaram: “que dia que você vai sair”. Nunca. Eles
nunca falaram nada, eu acho que por eles eu não sairia nunca. (riso) Porque se eu sair, vai ficar
quem? Sou filho único. (Entrevistado 9)
 Já o segundo grupo de pais, que representa a minoria, percebe a convivência familiar
como algo positivo, mas não ficam protelando a saída dos filhos, uma vez que o adiamento
desta pode comprometer as responsabilidades da fase adulta deles. Além disso, os
entrevistados ressaltam que essas preocupações partem mais dos pais, que são mais racionais,
enquanto as mães não participam tanto dessa cobrança.
Eles sempre falam: “tá passando da hora de você casar”. Eu acho que vem dessa questão: por
eles serem mais velhos, eles acham um absurdo eu tá com vinte e três anos e nem noiva sou
ainda... Minha mãe fica mais neutra, mais meu pai dá a maior força pra eu casar. .(Entrevistado
12)
A minha mãe gosta, mas meu pai diz assim: “que não vê a hora deu arrumar um emprego e sair
da barra dele”. Mas também eu acho que fala da boca pra fora também. É mais um incentivo pra
mim. Não é pra eu sair de casa não. Não tem disso. Mas ele fica aflito, porque o medo dele é que
eu não aprenda a morar fora, me virá sozinha. (Entrevistada 5)
 Retomando a questão da saída da casa dos pais, os entrevistados também interpretam o
tradicionalismo como um empecilho para tomar essa decisão. Para os entrevistados, o
tradicionalismo é tido como alguns valores e condutas peculiares de cidade do interior, e que
não são tão presentes nos grandes centros.
Por exemplo, nos grandes centros, às vezes, você até trabalhando num lugar que é bem distante
da sua casa, aí você vai e opta pela liberdade, independência... Aqui a gente é muito acomodado.
Realmente por ser cidade pequena a gente é muito acomodado. E tem aquela coisa, às vezes, você
sai de casa, parece que as pessoas já falam: “alá... deve ter brigado em casa, porque não tá
casado e tá morando sozinho”. Qual que é o porquê disso?! Eu acho que por ser cidade pequena
a gente acomoda muito, é muito fácil você ficar morando ali dentro de casa e não criar conflito.
Mais pra você não ter muito essas coisas, você acaba optando por ficar... (Entrevistado 7)
Igual, se fosse capital, eu já estaria fora que você. Eu acho que isso tem fundamento. Eu acho que
o interior é mais família, acolhe mais as pessoas (...) (Entrevistado 9)
Ah influencia. Por exemplo, se eu morasse em São Paulo, não sei, no Rio. alguma coisa assim...
Se os meus pais morasse longe do meu trabalho, é lógico que eu procuraria um lugar mais perto,
entendeu. Colocaria lá no papel o que ficaria mais barato e mudaria. (...) (Entrevistado 3)
 Vale ressaltar que o tradicionalismo como um empecilho para a saída dos jovens
adultos da casa dos pais justifica-se no contexto dessa pesquisa principalmente por se tratar de
uma cidade do interior mineiro. No entanto, em outros contextos esse fator pode não se
justificar, visto que na sociedade contemporânea o adiamento da saída da casa dos pais pode
ser explicado também pela instabilidade e insegurança que assolam o mercado do trabalho.
Além disso, a geração canguru é um fenômeno que assola a classe média independente do porte da cidade. Ao se comparar a geração atual com a de seus pais, levanta-se a questão de
que os jovens cangurus podem ser fruto dos ideais da geração anos 60, visto que os pais dão
todo apoio à carreira profissional de seus filhos no intuito de que estes não enfrentem os
mesmos obstáculos por eles já vivenciados.
5.2 O consumo da geração canguru
 Na categoria “consumo da geração canguru” foram identificadas algumas
subcategorias que ajudam a compreender o comportamento desse universo, tais como: o
significado do consumo; consumismo; produtos e serviços que são prioridades de consumo.
 Com relação ao significado do consumo para os entrevistados, observou-se uma
diversidade de conotações: liberdade, prazer, realização, necessidade, refúgio e satisfação.
Porque tem aquela questão assim, eu ter o meu dinheiro pra mim. Aquela questão, eu vou aonde
eu quero, faço o que eu quero... Tem aquele sentido de liberdade, né. Muitas vezes de extravasar
alguma coisa também, né....De poder escolher o que eu quero, de poder fazer o que eu quero...
(Entrevistado 5)
Eu consumo assim,o básico, o que eu preciso, eu compro. Se eu não preciso, eu não compro.
(Entrevistado 4)
(...) eu acho que toda mulher gosta de sair pra comprar.. Eu gosto! Pra mim é um passa tempo,
adoro ir em lojas, ver vitrines, experimentar. (Entrevistado 10)
O meu estado emocional tem muita influência sim. As vezes quando você tá muito triste ou tá
muito feliz a tendência de consumo é maior. As vezes você ta desanimada, vai numa loja e olha
uma coisa, olha outra e acaba que você vai empolgando ou então ás vezes também eu estou muito
feliz, muito animada, aí é outro fator que influencia também. (Entrevistado 2)
 (...) ah eu quero um celular que saiu agora, é uma coisa que vai fazer feliz, então porque que
você não vai comprar? Você tem comprar. Vai morrer com o seu dinheiro, pra que?! Não você
tem que comprar... (Entrevistado 9)
 Evidencia-se a função do consumo no “culto ao eu”, uma maneira de auto-afirmação e
de liberdade para construir sua própria identidade, que é característica da sociedade moderna
(GIDDENS, 1991).
 Os entrevistados também se auto-avaliaram quanto à questão do consumismo e, nesse
sentido, verificou-se a presença de dois segmentos: aqueles que se consideram consumistas e
os que não se vêem como praticantes desse tipo de comportamento.
(...) na minha sapateira, essa semana, tinha oitenta pares de sapato... Tirei assim, uns dez para
dar pra alguém, porque a gente sempre cisma com alguns, né. Mas eu tenho essa mania de
consumismo. (Entrevistada 10)
Minha mãe fala que o meu problema é que eu gosto de tudo. Não tem uma coisa que eu falo : Ah!.
Não gosto disso. Então se eu for numa loja de sapato, eu compro sapato, se eu for numa de roupa,
eu compro roupa, se eu for numa de bijuteria, eu compro bijuteria e se eu for numa de
maquiagem, eu compro também... Então eu gosto de muita coisa(Entrevistada 3)
Eu sou totalmente consumista, acabei de ver isso hoje. Porque eu acabo de comprar uma coisa, eu
já tenho vontade de comprar outra. Eu sou insaciável. Cada hora que surge uma coisa nova que
não tem nada haver (...) (Entrevistado 3)
Eu gosto de comprar, eu fico feliz. Gosto de comprar as coisas que eu desejo há muito tempo.
Mais eu acho que eu sou controlada. Eu acho que eu tenho bastante controle. Não fico gastando
com coisa supérflua, coisas de marca. Não vou porque os outros tão usando, não fico comprando
muito o que eu não estou precisando. Principalmente agora que a gente ganha o dinheiro e sabe o
tanto que é difícil. (Entrevistado 12)
(...) quando eu penso numa pessoa consumista, eu penso naquela pessoa meio que desenfreada,
isso é meu modo de pensar. Eu não sou. Então, eu acho que eu não sou consumista (...)
(Entrevistado 5)
 Fica evidente nos relatos dos entrevistados que se declararam consumistas, que eles
têm uma propensão a compra compulsiva. No entanto, esta propensão não chega a gerar conseqüências negativas, visto que estes jovens afirmam conseguir exercer o auto-controle e
dimensionar as compras conforme a sua renda, não gerando dívidas. O consumismo também
é um elemento importante na sociedade moderna, em que ganha espaço uma postura de defesa
do consumo ao reconhecer que as necessidades do consumidor são, em princípio, ilimitadas e
insaciáveis (CROSS, 1993 ; SLATER, 2002). No entanto, vale ressaltar que outros
entrevistados são muito ponderados em suas compras, conseguindo poupar uma boa parte de
suas receitas.
Às vezes eu fico querendo alguma coisa, morrendo de vontade comprar. Mas eu não compro,
pensando no futuro, de medo. A gente não sabe o que pode acontecer. Eu posso ficar doente, meus
pais podem ficar doente. Então a gente pode precisar depois .(Entrevistado 4)
 (...)eu anoto tudo que eu gasto, pra eu acompanhar, pra ver no quê que eu gasto. Só que eu acho
que eu não gasto muito não. (Entrevistado 8).
Com relação aos produtos e serviços prioritários no consumo dos jovens cangurus
entrevistados, verificou-se que os itens mais presentes nos depoimentos foram: vestuário,
produtos eletrônicos, veículos, cursos de pós-graduação, estética, lazer, entretenimento,
turismo e academia.
 (...) até o momento já fiz investimento na carreira, investimentos profissionais... (Entrevistado 1)
(...) eu gosto muito de viajar, para lazer... Quase todo final de semana eu viajo...(Entrevistado 14)
(...) prioridade, o que eu não fico sem é a gasolina do meu carro pra ser sincera. Fora isso, só a
academia. (Entrevistada 4)
(...) fim de semana, eu não abro mão do meu barzinho. Eu ralo a semana inteira, cansado, o que
me distrai, o que me diverte, no fim de semana, é isso. (Entrevistado 9)
 O investimento na carreira, de cunho mais racional, divide espaço no consumo da
geração canguru com um comportamento de consumo hedonista e imediatista (Ferreira,
2004), em que a juventude tem que ser aproveitada em sua plenitude.
 O fator tempo também foi percebido como um elemento que tem poder decisivo de
compra. A falta de tempo foi interpretada como um fator resultante das diversas atividades
(profissionais, pessoais, etc) exercidas pelos indivíduos na sociedade contemporânea.
Transpondo esse atributo para o campo do consumo, verifica-se que este limita a freqüência
de compra, agiliza as decisões de compra e incentiva as compras online.
Por eu não ter tanto tempo, quando sobra um tempinho, eu prefiro dar prioridade naquelas coisas
que eu tenho que fazer. As outras obrigações . E o consumo fica em segundo plano. (Entrevistado
5)
O tempo é bem corrido. Por isso eu compro muito pela internet, eu acho mais rápido que você
sair pra comprar, pra ficar olhando. Na internet, você olha tudo, consulta preços em vários
lugares ao mesmo tempo (Entrevistado 8)
 Entre os fatores responsáveis pelo prolongamento da permanência dos jovens
cangurus na casa dos pais, observou-se que em vários depoimentos, os entrevistados
justificaram o seu nível de consumo pela ausência de contribuição financeira com as despesas
mensais da família. Desse modo, a economia constitui um fator extra-familiar de alta
relevância para a geração canguru.
(...) em casa, eu não tenho praticamente despesa nenhuma, eu usufruo de tudo o que a casa
proporciona né de... de desde a alimentação até outros recursos..., água, luz, telefone e sem... sem
despesas (Entrevistado 1)
Os entrevistados ainda acrescentam que essa ausência de contribuição é apoiada pelos
pais, uma vez que eles se sentem na obrigação de arcar com todos os gastos mensais da
residência. Em alguns casos, observou-se que além dos gastos residenciais, os pais também contribuem com algumas despesas pessoais dos filhos, principalmente a internet, telefone
celular e gasolina.
(...) meu celular é junto com a conta de telefone fixo. Aí quando eu mudei de plano eu combinei
com o meu pai de pagar metade e ele a metade. Só que depois de uns seis meses ele já começou a
não aceitar mais... (Entrevistada 2)
Ele tem aquele cartão da Petrobrás, ele que fez. Eu não pedi e ainda foi fez um cartão pra mim,
colocou a fatura pra chegar no nome dele e . Eu tenho um cartão no meu nome, aí eu abasteço,
passo no meu cartão e a fatura chega pra ele. Então é ele que paga. (Entrevistada 5)
 Alguns entrevistados se sentem incomodados com essa situação, visto que por terem
renda própria, gostariam de estar contribuindo com as despesas familiares. Além disso,
acreditam que essa falta de contribuição financeira dificulta o aprendizado para atingir a
maturidade. Já outros não vêem essa preocupação e interpretam essa situação como muito
cômoda. Por outro lado, os entrevistados consideram-se como moderados nas despesas
familiares, adotando, assim, algumas medidas econômicas. Ao mesmo tempo, eles também
salientam a disponibilidade para estarem contribuindo caso seja necessário.
Pelo fato de contribuírem pouco com as despesas familiares, os jovens cangurus
entrevistados compõem um nicho de consumidores com alto poder aquisitivo. Portanto,
mesmo que a renda deles não atinja patamares tão elevados, o padrão de consumo de certas
categorias de produtos é relativamente muito maior, quando comparados aos jovens adultos
que já estão casados ou que têm residência própria.
(...) o consumo é muito maior. Eu acho que se eu tivesse morando sozinho, eu taria naquela vida
limitada: dinheiro pra comer, dinheiro para morar....Sabe? Por isso meu consumo hoje é dez
vezes maior do que se eu tivesse morando sozinho. (Entrevistado 7)
Você deixa de pagar suas contas do dia a dia, e tem mais dinheiro pra outro tipo de consumo,
como lazer ou mesmo coisa mais supérflua. (Entrevistado 8)
 Neste sentido, o consumo desses jovens cangurus tende ser egocêntrico e remete a
questões ligadas à liberdade. Portanto, se por um lado morar com os pais reduz a liberdade
pessoal, por outro, aumenta a independência e o potencial de consumo.
Se sobra mais dinheiro, eu consigo poupar mais e consigo investir em mim (Entrevistado 1)
(...) que a gente ganha fica tudo pra gente. Praticamente, pra você poder investir em você. Então
fica mais independente nesse ponto. (Entrevistado 13)
 Além de terem um padrão de consumo maior, os jovens cangurus entrevistados
ressaltaram o seu poder de influência nas decisões de compra da família. Conforme consta
nos relatos, as influências são exercidas tanto no âmbito de bens básicos de consumo quanto
nos duráveis. Destaca-se que a permanência dos jovens adultos na casa dos pais afeta não
somente o seu consumo individual, mas também as decisões de consumo familiares, o que
pode categorizar as famílias nessa situação como uma nova categoria no ciclo de vida
familiar.

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